5ª temporada de Black Mirror não inova em suas tecnologias mas apresenta um conceito mais sensível e reflexivo

“Isso é muito Black Mirror” se tornou uma frase – ou, melhor ainda, um meme – bastante utilizada desde o ano em que a terceira temporada da série foi ao ar, indicando a grande repercussão que a obra antológica estava tendo na cultura pop. Estreada em 2011 pelo Channel 4, no Reino Unido, e adquirido pela Netflix em 2015, a série se comprometeu desde o começo a gerar um desconforto em relação à contemporaneidade e criticar as ações humanas. A quinta temporada da série, voltando a ter três episódios, como as duas primeiras, entrega exatamente isso e, além disso, consegue apresentar três narrativas cheias de sentimento.

A temporada começa com Striking Vipers, episódio que conta a história de Danny (vivido por Anthony Mackie) e Karl (Yahya Abdul-Mateen II), ambos são grandes amigos de faculdade que se distanciam após Danny casar e começar uma família, mas acabam se reencontrando alguns anos mais tarde, no aniversário do primeiro. Karl o presenteia com uma nova versão do jogo de luta que ambos jogavam quando mais jovens, porém com um incrível diferencial: agora é um jogo de realidade virtual hiper-realista em que as sensações se tornam reais, só que o que ambos não esperavam é que a relação dos dois ia mudar para sempre após a primeira partida.

Muitas obras audiovisuais, atualmente, apresentam personagens LGBT’s em suas histórias, mas é um pouco mais raro vermos uma narrativa sobre um homem que mesmo tendo uma esposa (e ainda a amando) se apaixona, de certa forma, por outro homem. O roteiro do episódio, entretanto, consegue contar essa história de forma bastante sutil e responsável, focando tanto na relação entre os dois amigos quanto no forte amor e confiança que ainda existe entre o protagonista e sua esposa.

O episódio consegue, assim, apresentar uma narrativa bastante sensível, centrada e comovente, mostrando uma história da amor e paixão muito diferente das que estamos costumados a ver na atualmente. Arrisco dizer, entretanto, que mesmo sendo uma narrativa tão original e peculiar, ainda consegue refletir a realidade contemporânea, mesmo que indiretamente. Algo que vale comentar também sobre o episódio é que, se um espectador que conheça bem São Paulo prestar bastante atenção, conseguirá reconhecer diversos pontos da cidade que foram utilizados para a gravação do episódio.

A temporada continua com “Smithereens”, episódio que também consegue retratar muito bem a realidade, mas dessa vez fazendo um paralelo entre as redes sociais e o fato de que, atualmente, a vida das pessoas – e seus acontecimentos ruins – acaba se tornando uma forma de entretenimento e distração para outras; a desgraça de alguns, portanto, se torna apenas uma oportunidade de distração momentânea ou até mesmo de divulgação pessoal para outras, seja por meio da quantidade de likes, compartilhamentos ou, até mesmo, de telespectadores. A melhor coisa do episódio, entretanto, foram os personagens: o protagonista, interpretado de forma brilhante por Andrew Scott, consegue se expressar com tamanho poder os sentimentos do motorista Chris, passando para o espectador todo o peso sentimental que o personagem carrega, fazendo com que saibamos, desde o começo, que o personagem está segurando muita coisa dentro de si, mesmo que só descubramos seus sentimentos no clímax do capítulo.

A temporada termina com “Rachel, Jack and Ashley Too”, episódio esperado por muitas pessoas pelo fato de trazer a atriz e cantora Miley Cyrus como uma das protagonistas. A atriz interpreta uma sátira dela mesma no passado, uma cantora pop que está presa à amarras simbólicas – por enquanto, pois pode muito bem se tornar uma amarra real – sendo obrigada a cantar músicas leves, estar sempre educada e sorridente e se vestir com um padrão planejado para agradar as mídias e seus consumidores. A atuação das outras duas protagonistas (Rachel e Jack, interpretadas por Angourie Rice e Madison Davenport, respectivamente) foram boas, mas não geraram tanto impacto ou emoção quanto os outros atores citados nessa crítica, inclusive Cyrus, que foi a parte alta deste episódio.

Este episódio, assim como os outros dois, não se aproveita de criar novas tecnologias ou mostrar novas versões de mundo, optando por reutilizar invenções já apresentadas ao longo da série, mesmo que readaptadas. Entretanto, vale ressaltar que esse não é um problema para Black Mirror, cuja maior proposta é, como já comentado neste artigo, criticar e gerar desconforto em relação à contemporaneidade, o que consegue fazer muito bem nessa temporada, mesmo que tenha gerado menos desconforto e impacto do que as anteriores.

“Smithereens” pode até ter sido o episódio menos discutido nesta critica, mas ainda consegue ser o ponto alto da temporada, com uma belíssima fotografia e abordando um assunto extremamente importante nos dias de hoje como plot secundário: o suicídio. A quinta temporada de Black Mirror, portanto, apresenta histórias bem pensadas que debatem assuntos sensíveis e relevantes nos dias de hoje, focando menos em chocar o espectador e mais em sensibilizá-lo e fazê-lo refletir, podendo, inclusive, surpreender os fãs positivamente.

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