“A Bela e a Fera” não se arrisca e fica só na homenagem

Recentemente, protestos contra a história de ‘A Bela e a Fera’ ganharam força nas redes sociais, sob a acusação de ‘glamourização’ de distúrbios sérios como a Síndrome de Estocolmo (onde a pessoa sequestrada cria afeição pelo sequestrador) e até zoofilia (envolvimento sexual de humanos com animais). Apesar de reconhecer a importância desses protestos sociais, quando se trata de um filme, eu sempre tento ver o que há de bom nas histórias e me aventurar pelas experiências que elas proporcionam.

Sendo assim, para mim, ‘A Bela e a Fera’ sempre foi uma fábula sobre um homem rico e arrogante, cercado de amigos interesseiros, que perde aquilo que mais dava valor (sua aparência) e acaba fadado a viver na solidão, até que aprenda o que é o amor verdadeiro e se transforme em uma pessoa melhor. Brega, meloso, mas gente, é um conto de fadas!

Apesar das duas versões francesas da história – uma delas a de 1946, de Jean Cocteau – não há dúvidas de que a mais popular até hoje seja a animação feita pela Disney em 1991. O filme foi tão bem aceito por público e crítica que se tornou a primeira animação a concorrer ao Oscar de Melhor Filme, e ganhou duas das suas seis indicações.

Mesmo sem precisar, pois a animação é bastante eficiente mesmo para o público contemporâneo, o estúdio continua a onda das refilmagens – como fez com ‘Cinderela’ e ‘Mogli, o Menino Lobo’ – e proporciona o live-action da história, sendo estrelado pela eterna Hermione, Emma Watson, como Bela e Dan Stevens (de ‘O Hóspede’), transformado para interpretar a Fera.

Vamos então falar sobre essa nova versão. Como toda refilmagem feita muitos anos após a história original, há sempre a oportunidade de se adaptar abordando temas mais relevantes e que melhor refletem a sociedade atual. Eu não diria que o novo ‘A Bela e a Fera’, dirigido por Bill Condon (da Saga Crepúsculo) leva à risca essa ideia. A alteração mais marcante, por assim dizer, é a alegada homossexualidade do personagem LeFou (Josh Gad).

Então, já encontramos aí um certo obstáculo. Uma refilmagem não pode ser idêntica ao original, pois, a não ser que os momentos chave sejam reproduzidos com a mesma qualidade e expressem as mesmas sensações que o anterior, ela acaba se tornando muito chata, sem despertar surpresas ou curiosidade no espectador. E esse talvez seja o principal problema da versão live-action.

O filme começa muito bem, conseguindo expressar como Bela é uma garota à frente do seu tempo, que não se contenta com o papel submisso da mulher naquela época e que se sente deslocada no pequeno vilarejo na França, onde mora com seu pai, Maurice (Kevin Kline). A primeira abertura musical é muito bem realizada, com coreografia, mise em scène e figurinos lindamente executados.

Embora todo filme mereça ser avaliado individualmente, pelo que é, neste caso é impossível se desprender completamente da versão animada. E após um primeiro ato muito promissor, a partir do segundo ato, onde seu pai se perde na floresta, os eventos ficam inexplicavelmente apressados e desperdiçam momentos preciosos para criar conexão emocional com o espectador.

O roteiro, escrito por Stephen Chbosky (‘As Vantagens de Ser Invisível’) e Evan Spiliotopoulos (de várias animações menores da Disney), abre mão de sutilezas importantes da obra original, como pequenas gags cômicas que adicionavam um pouco de leveza e humor à trama. Além de decisões da direção, que também decepcionam.

Na cena da prisão, por exemplo, Maurice não tem tempo para dizer a Bela que já viveu sua vida, enquanto ela tem muito caminho pela frente. Esse é um momento importante porque adiciona mais peso dramático à escolha da jovem. No live-action, entretanto, tudo acontece tão rápido que praticamente não há impacto. Sendo um pouco mais exigente, quem assistir a versão legendada vai reparar que o sotaque inglês dos atores não tem nada a ver com personagens que vivem na França.

Mas, é claro que o filme tem seus pontos positivos. Os números musicais são muito empolgantes e resgatam com eficiência a memória afetiva daquelas belas canções. Há uma decisão interessante também de explorar mais o passado da mãe de Bela e as novas inserções de músicas funcionam organicamente muito bem. A cena mais bonita do filme é a dança de Bela com a Fera no salão.

Interpretando Bela, Emma Watson decepciona bastante. A atriz já demonstrou que, quando bem dirigida, consegue atuar em um nível muito bom, como fez em ‘As Vantagens de Ser Invisível’ ou em lampejos de ‘Noé’, mas aqui sua atuação basicamente se limita a sorrisos e alguns trejeitos caricatos.

Luke Evans e Josh Gad são os destaques. O primeiro, interpreta muito bem um homem machista e cruel, enquanto o segundo – apesar da pouca personalidade, pois está sempre à sombra de Gaston e nunca tem a transformação que esperamos – é engraçadíssimo. É frustrante dizer, mas os desenhos da animação têm muito mais coração do que os personagens de carne e osso deste filme…

Acredite em mim, eu gostaria muito de ter morrido de amores pelo filme, mas o pior ainda está por vir: os péssimos efeitos visuais. A Fera é tão artificial que desde a forma de se movimentar até quando está contracenando com um personagem real, consegue tirar o espectador do filme várias vezes. Sem falar nos carismáticos utensílios do castelo encantado, que parecem estranhos e ‘sem vida’.

A direção parece não saber usar o espaço em cena, prejudicando a composição dentro da narrativa. Isso é acentuado pelos cortes constantes da edição, que dificultam nossos olhos de focar em um objeto especifico, sempre com muita informação jogada ao mesmo tempo. Não se aprecia a beleza das cenas.

Falta também peso nas decisões dos personagens, como quando Bela vai até a famosa ala oeste. Ela sequer hesita, para dar um pouquinho de suspense à trama. E o que dizer da biblioteca? O elemento que praticamente muda toda a visão da personagem daquele castelo enorme e vazio é revelado de forma escura e sem vida, não representando para a personagem o encantamento e importância necessários.

Infelizmente, para um conto de fadas faltou muita imaginação. Faltou também entender que vale mais investir em conexão emocional entre os personagens do que apelar para saídas óbvias, como a personagem Agata. E muitos desses problemas se devem também a mais uma péssima direção de Bill Condon, mas o que esperar do cara responsável pelas catástrofes cinematográficas chamadas ‘Amanhecer – Partes I e II’?

Sendo assim, ‘A Bela e a Fera’ decepciona por não buscar uma identidade própria e se contenta em apenas ‘homenagear’ seu antecessor animado. É claro que, a maioria das pessoas não vai enxergar o filme com esse olhar mais exigente, e confesso que muita gente vai até se emocionar pelo apego afetivo com a obra, mas a comparação é inevitável. Após um baita acerto de estúdio com ‘Mogli: o Menino Lobo’, esse live-action só comprova que alguns clássicos realmente não deveriam ser tocados.

E você, já assistiu ou está ansioso para ver? Concorda ou discorda da análise? Deixe seu comentário ou crítica (educadamente) e até a próxima!




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