“A Vida Depois do Tombo” aborda visão humana de uma vítima da cultura do cancelamento

A cultura do cancelamento é algo que veio para ficar na era digital. Onde tudo aquilo que não gostamos e rejeitamos pode ser excluído, ignorado e deletado, isso é contraditório quando se trata de relações humanas presenciais.

Um cancelamento virtual nos dias atuais, em alguns casos, é mais doloroso que uma condenação por um crime, com a diferença de que num júri o réu tem amplo direito à defesa e no tribunal da internet o silêncio e o desaparecimento são a melhor solução. Quando o programa de TV de maior audiência no país se transforma em palco para o julgamento virtual, isso ganha uma proporção inimaginável.

Esse é o ponto de partida da série documentário “A Vida depois do Tombo” da Globoplay, que acompanha os momentos depois da eliminação da rapper Karol Conká do programa Big Brother Brasil da TV Globo. Karol teve a maior rejeição da história do programa em todo mundo. Com 99,17% dos votos ela foi excluída do programa e praticamente da sociedade por conta de seu comportamento controverso e equivocado no Reality Show.

O documentário funciona como uma espécie de spin-off do BBB e mostra a artista tentando retomar a vida e lidar com o cancelamento ao mesmo tempo que revisita seu passado na tentativa de entender o porquê se perdeu na casa mais vigiada do país.

Em 4 episódios são apresentados bastidores dos dias seguintes de Karol fora do BBB. Desde ela viajar para São Paulo, onde mora, de carro para evitar contato com público no aeroporto até depoimentos do filho e da mãe sobre o temor pela segurança deles após sofrerem ameaças do público pelas redes sociais.

A produção dirigida por Patrícia Carvalho e Patrícia Cupello também tenta promover reencontros com ex-participantes do programa, vítimas do comportamento da rapper, que em quase sua maioria são recusados por eles ainda não terem superado as feridas emocionais causadas pelo programa. Outra dificuldade da produção foi a trilha sonora. Como algumas canções de Karol têm direito autoral dividido com outros artistas ou produtores foram impedidas de serem usadas por completo na edição dos episódios incluindo seus principais hits como “Tombei” por conta de não quererem vincular suas imagens à rapper.

A tortura psicológica causada por Karol ao ator Lucas Penteado, que foi um dos fatores que acarretaram a desistência dele do reality, foi um dos temas mais comentados nas redes sociais no início do ano. Como ódio gera ódio, parte do público reagiu contra ela com ataques machistas e racistas.

A série acerta em humanizar e mostrar a relevância de Karol Conká na música e deixar claro que ela não pode ser resumida em seu comportamento tóxico no reality. E evidencia um problema cultural que é a vida em bolhas sociais onde uma pessoa provedora ou influenciadora dificilmente é contestada e tem comportamentos nocivos ou equivocados tolerados em nome de uma adoração cega.

“A Vida depois do Tombo” herda da sua protagonista uma rejeição natural por um preconceito seja por abordar o tema BBB que mesmo sendo a maior audiência absoluta da TV Brasileira durante 5 meses de exibição diária ou porque muitos julgaram que a série seria uma tentativa de limpar a imagem arranhada da artista. O principal acerto da série é deixar claro que errar é humano e refletir sobre os erros cometidos é necessário.

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