Ariano Suassuna: o legado de uma obra formidável no teatro e no cinema

“Não sei. Só sei que foi assim!”. Quem nunca se divertiu com as histórias absurdas e o bordão do personagem Chicó, uma das peças-chave de ‘O Auto da Compadecida’? Difícil mesmo é encontrar, inclusive, quem não tenha se apaixonado por uma das histórias mais divertidas do sertão nordestino, que ficou marcado como uma das obras mais importantes do teatro e do cinema brasileiro.

Ariano Suassuna era assim: mesclava frases de efeito, elementos da cultura popular do nordeste e diálogos ricos entre seus personagens. Nascido em João Pessoa, na Paraíba, dedicou sua vida ao teatro e à literatura, tornando-se um dos mais completos escritores do país. Nesse ano, o autor completaria 89 anos, não fosse o AVC que o tirou de nós em 2014. Mas como todo bom artista, Ariano tornou-se imortal e é contemplado e reverenciado nas artes cênicas – e por toda a eternidade o será!

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Como viveu parte de sua vida em João Pessoa e em Recife, Pernambuco, o dramaturgo era afeiçoado e bem familiarizado com a cultura nordestina e com seu sertão. Suas obras pendiam para o lado do sertanejo, para as frases características da região. Foi ele o autor de belas e importantes obras para os palcos brasileiros, tais como ‘O Rico Avarento’, ‘O Santo e a Porca’, ‘O Castigo da Soberba’, entre outros. Mas foi em ‘O Auto da Compadecida’ que o autor experimentou sua maior glória.

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Na história, ambientada no sertão próximo à cidade paraibana de Taperoá, João Grilo e Chicó são dois personagens falastrões, pilantras e que sempre tentam aplicar golpes em quem os cerca. São através de ambos que o leitor e o espectador conhece não somente elementos divertidos que marcam a identidade dos personagens, mas os dramas vividos pelos moradores do Sertão Nordestino, como a seca e a fome. Estão ali elementos de uma crença religiosa fervorosa de seu povo, que louva a Jesus Cristo e à Nossa Senhora – e que rezam como o último ato capaz de salvá-los das agruras de uma vida pobre. Estão ali, também, os cangaceiros que fizeram fama na região e implantaram medo em seus habitantes. Mas, como por trás de toda pessoa que fere há uma pessoa ferida, Ariano mostrou um lado humano em Severino de Aracaju: por trás de seus tiros e invasões, existia um homem que tinha um carinho absurdo por sua mãe e sofreu ao vê-la ser assassinada por oficiais. Experimentou a solidão em meio a cactos e outras paisagens puramente secas, que só o faziam sentir fome e aumentar sua revolta diante de tanta desigualdade e injustiça. É nítido a inspiração de figuras populares como Lampião e Maria Bonita. A representação final, por fim, é conduzida com maestria pelo autor.

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Em 1999, o diretor e produtor Guel Arraes presenteou os brasileiros com uma bela adaptação dessa obra para o cinema, com um elenco de peso. O roteiro, escrito em parceria com Adriana Falcão, respeitou os elementos principais de seu autor e encantou o público, que pôde se divertir e se conscientizar do que sofre e do que ama o sertanejo. Matheus Nachtergale e Selton Mello deram vida aos dois personagens principais, enquanto Marco Nanini conduziu com maestria os trejeitos do cangaceiro. A maravilhosa Fernanda Montenegro deu vida à Nossa Senhora, realizando uma parceria maravilhosa com Maurício Gonçalves mostrando que Jesus era, ora essa, “pretinho daquele jeito”, como diria João Grilo. Pois sim! Não poderia ser melhor.

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O elenco conta com outros nomes lindos, igualmente impecáveis, como Denise Fraga, Lima Duarte, Rogério Cardoso, Diogo Vilela, Virginia Cavendish, Paulo Goulart, Luís Melo, Bruno Garcia, Enrique Diaz e Aramis Trindade. O resultado não poderia ser diferente: um sucesso de público, crítica e bilheteria no Brasil. Seus personagens e seus diálogos ficaram cravados no imaginário popular, impulsionando outras incontáveis adaptações de ‘O Auto Da Compadecida’ nos palcos brasileiros – e no coração também. O produto final foi elogiado pelo próprio Ariano Suassuna, que caiu de amores por Fernanda Montenegro. “O rosto de Fernanda agora vai se juntar, na minha memória, ao de Socorro Raposo, a primeira atriz a interpretar o papel, no Recife, e que ainda hoje continua encenando, já somando oito anos ininterruptos”, disse ele. E é claro que o rosto dela também permanece na nossa memória com um carinho inigualável.

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Ariano Suassuna é a prova viva de que a arte pode beber da fonte do brasileiro, sem fortes influências de outros países, valorizando aspectos de nossa cultura da melhor forma possível. Sim, o brasileiro gosta de suas raízes, gosta de elementos regionais. Que outros autores, diretores e atores permitam-se dar vida a essa cultura maravilhosa, como fez a estrela principal dessa publicação. Viva Ariano Suassuna!





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