DE FORMA PERIGOSA, “BRINCANDO COM TUBARÕES” RELATIVIZA A MALDADE DOS SERES MARINHOS

Humanos são fascinados por tubarões há décadas, uma derivação do fascínio pelos desconhecidos oceanos. E pensando no entretenimento de massas, é impossível não lembrar do filme de Steven Spielberg, “Tubarão”, quando este é o assunto. Um marco na história do cinema que foi responsável por moldar a forma como enxergamos os bichos de muitos dentes: monstros impiedosos com fissura por carne e sangue. O longa de 1975 inspirou dezenas de produções que abordassem o tema que até hoje fazem um grande sucesso com o público, sejam as produções de ficção, sejam os documentários. Mas em geral, todo esse conteúdo segue uma cartilha alertando o real perigo de se aproximar de tais criaturas, menos “Brincando com Tubarões”, novo documentário do Nat Geo lançado exclusivamente no Disney+, que justamente questiona esse “senso comum” estabelecido por conta de uma ficção.

Seguindo a história da vida de Valerie Taylor, uma caçadora de tubarões dos anos 50 que posteriormente virou uma ativista pela proteção desses animais, o documentário intercala cenas gravadas ao longo da vida de Valerie (devidamente remasterizadas) com entrevistas e gravações recentes no mar. O documentário mostra, com bastante coerência, a transição do posicionamento de Valerie enquanto ela evolui a sua relação com os animais. O seu envolvimento com a produção de “Tubarão” certamente é o clímax do documentário e vai chamar a atenção de todos os fãs do clássico filme de 1975, seja pelas cenas inéditas de bastidores do longa seja pelas consequências nas pessoas, contra as quais Valerie luta até os dias de hoje.

Imagens da vida marinha sempre são interessantes e aqui não é diferente, mesmo os takes antigos são belos e conseguem trabalhar com a nossa imaginação. Em contraste, em alguns momentos somos apresentados a cenas fortes e fotos de pessoas dilaceradas por tubarões, mostrando que Sally Aitken, a diretora, manteve um tom equilibrado no filme e não caiu na tentação de mostrar as criaturas marinhas somente como anjinhos do mar. Aitken consegue ainda explorar a emoção do expectador mesclando cenas de uma jovem Valerie com cenas de mergulho de uma Valerie com mais de 80 anos.

“Brincando com Tubarões”, no fim, acaba por cumprir o seu propósito e se apresenta como uma opção diversificada dos clássicos documentários sobre tubarões. É muito improvável que o documentário tenha o sucesso de um blockbuster como “Tubarão” para que sua mensagem tenha algum impacto na população, como bem mostra o filme sobre a influência de “Tubarão” no comportamento humano. Todavia fica muito claro o quão susceptíveis são as pessoas, e algumas cabeças vazias podem ser incentivadas a se aproximar dos animais marinhos sem as devidas cautelas achando que podem, de fato, “brincar com tubarões”. Assim, tudo o que o documentário critica é replicado por ele mesmo no sentido contrário, o que prejudica um pouco o resultado final.

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