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‘A beleza não é tudo. É a única coisa’.

Buñuel, Lynch, Refn. Será possível que estes serão alguns dos principais nomes do considerado ‘cinema surrealista’ futuramente? Buñuel e Lynch já são considerados mestres e ícones do cinema, mas o dinamarquês Nicolas Winding Refn (de ‘Drive’) conseguiu (sabe-se lá como), mesmo na sua ‘curta’ carreira de destaque internacional, um número considerável de desafetos e críticos a seus últimos trabalhos, especialmente seu mais novo projeto ‘Demônio de Neon’, chamado por muitos de ‘vazio’ ou de ‘edital de moda ruim’, chegando inclusive a ser vaiado em sua exibição no Festival de Cannes este ano, no qual foi indicado para a Palma de Ouro. A verdade é que embora seja difícil definir o que é surrealismo, diretores que se aventuram nesse terreno buscam explorar fronteiras entre o sonho e a realidade, chamando a atenção do espectador por meio de histórias não lineares, pouco plausíveis ou até difíceis de compreender. Devido a isso, podemos imaginar o por que da maioria das pessoas não aceitarem muito bem filmes neste estilo, pois é inerente ao ser humano rejeitar e menosprezar aquilo que não segue um ‘padrão’ de qualidade ou convenção social já estabelecido.

Vale lembrar que há diferenças consideráveis entre os trabalhos desses diretores citados no início do texto, haja vista que cada um carrega como influência e peculiaridade o contexto da época em que viveu. Buñuel viu de perto o crescimento da burguesia, vivenciou guerras, enquanto Lynch quebrava os limites entre o onírico e o real para criticar em seus filmes a falsa felicidade das pessoas, mostrando através de membros decepados e deformidades os delírios do sucesso e, por que não, desconstruindo o jogo de aparências da sociedade norte-americana, maior potência mundial. Já Refn é produto da sociedade atual. Ao menos no mundo ocidental, não vivemos nenhuma guerra, mas vemos crescer a cada dia indústrias que ditam todo o tipo de comportamento superficial que deve ser seguido por todos, a não ser que queira ser excluído e considerado alguém ‘fora dos padrões’. Ao contar a história de Jesse (Elle Fanning), uma jovem de 16 anos que chega a Los Angeles para ser uma modelo de sucesso, talvez seja isso que Refn esteja querendo criticar, a indústria da beleza e da superficialidade.

A forma como Refn conta a história de Jesse rumo a seu objetivo é bastante acessível a todos os públicos, por mais que haja vários simbolismos, como o fato de haver muitos espelhos e os personagens dificilmente se olham diretamente, indicando ali uma certa impessoalidade nos diálogos e nas relações entre eles; algumas referências geniais como o batom ‘rum vermelho’ (Redrum), que prenuncia algo que fãs de ‘O Iluminado’ irão perceber; e também algumas metáforas, como o desejo a necrofilia e canibalismo, que obviamente servem ao filme de forma figurativa para os sentimentos que as personagens têm com relação a Jesse, mas que para os críticos ferrenhos ao trabalho de Refn, são considerados elementos gratuitos e sem sentido na obra. Lembro da primeira vez que vi ‘Suspíria’, de Argento e ‘Um Cão Andaluz’, de Buñuel, mas como esses são gênios mundialmente reconhecidos e Winding Refn ainda não, faz todo sentido dizer que um é obra-prima e o outro, um desperdício de tempo – custo a acreditar que esta é a lógica de algumas pessoas.

Tecnicamente, o filme é primoroso. A trilha sonora de Cliff Martinez (‘Drive’ e ‘Traffic’), cheia de distorções e elementos sintéticos – que remete a filmes de terror dos anos 70 – dialoga perfeitamente com o tema e com a linguagem subjetiva da trama, servindo não apenas para ambientar e criar o clima psicológico ‘instável’ da história, mas também como a verdadeira ‘alma’ do filme. Refn é considerado um diretor ‘fetichista’ e juntamente com a diretora de fotografia Natasha Braier (de ‘The Rover – A Caçada’) capricha no uso das cores, muito harmoniosas entre si, com o roxo representando ambição, mistério, o vermelho com o perigo, há também alguns momentos mais sutis como recém-chegada na cidade, Jesse chega sem batom a uma festa, e Ruby (Jena Malone) lhe passa um bem escuro nos lábios, que contrasta com sua pele, colocando um pequeno indício de maldade na ‘pureza’ da inocente personagem e etc. E não para por aí, o elenco conta com algumas beldades como Abbey Lee (de ‘Mad Max: Estrada da Fúria) e Bella Heathcote (de ‘Sombras da Noite’), atrizes teoricamente mais belas que Elle Fanning, mas que estão no filme justamente para fortalecer a ideia que Refn quer passar, de que Jesse possui uma beleza mais ‘natural’ e por isso se destaca naquele meio, segundo palavras de um personagem, ‘fabricado’ e artificial. Assim como Elle Fanning, Jena Malone e Keanu Reeves se destacam em seus papéis, enquanto Christina Hendricks tem uma participação bem pequena.

Para encerrar, falar de um filme como ‘Demônio de Neon’ é muito prazeroso, pois ele possui tantas nuances e camadas de significado que vão enriquecendo a cada visita ao filme. Ressalto aqui a importância de assisti-lo no cinema, para aproveitar ao máximo toda a experiência sensorial que ele proporciona. Com diálogos interessantes (como a cena do restaurante), momentos bastante provocadores e impactantes (como a mórbida interpretação improvisada de Jena Malone no ‘necrotério’), visual e sonoramente hipnotizante, certamente é um filme que se destaca na multidão e merece elogios por sua coragem. Se a relevância do seu tema pode ser considerada questionável, ao menos pode servir como forma de crítica as preocupações supérfluas da sociedade atual. Cada filme é uma experiência pessoal, mas nada é pior do que uma história clichê e previsível, e isso, caro leitor, absolutamente não é o que você vai encontrar ao se permitir dar uma chance a esse trabalho completamente visceral e passional. Se o filme e seu diretor irão entrar para a galeria dos grandes nomes do cinema algum dia, isso só o tempo dirá.




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