“Dora e a Cidade Perdida” abraça a infantilidade da animação e sabe rir de si mesma

No ano de 1999 estreou o primeiro episódio de uma animação infantil “Dora, a aventureira”, se mostrando um programa feito estritamente para crianças a ponto de incomodar aqueles com um processo minimamente superior de intelecção – você consegue dizer intelecção? Vinte anos depois, a Nickelodeon desenterra a história da jovem garota que vive explorando florestas com um macaco de botas, dessa vez a partir de um longa-metragem live action que tinha tudo para dar errado – mas será que deu?

Em Dora e a Cidade Perdida, a protagonista se encontra dez anos mais velha e, inicialmente, é enviada para viver na cidade grande enquanto seus pais vão explorar algo mais perigoso do que o habitual: uma cidade perdida no Peru. Seu primo Diego,  antes protagonista da animação do mesmo gênero “Go, Diego, Go”, a recebe na cidade, sentindo vergonha de Dora conforme ela mostra suas peculiaridades no Ensino Médio – assim como o espectador, que certamente terá na vergonha alheia uma companheira durante todo o filme.

A partir de uma série de situações caricatas, a protagonista e um grupo de jovens desajustados – que obviamente se tornarão amigos ao final – acabam indo em direção à cidade perdida, o que guia o restante da trama. É inegável que a composição do filme é, em sua totalidade, uma grande mistura de elementos infantiloides – ou seja, exageradamente infantis –, desde os diálogos até as ações dos personagens em cena. Torna-se, assim, uma obra ridiculamente caricata, excessivamente boba e intensamente risível.

Porém, se comparada com a animação original e levando em conta a proposta na nova mídia, cada uma dessas características se provam excepcionais para uma obra criativa e, de certa forma, inovadora. Assim sendo, a própria animação era, por si só, uma obra infantiloide que chegava a ser ridiculamente engraçada – se assemelhando a um desenho para crianças de até 5 anos –, e o filme sabe pegar essas características e transformar em algo novo, mas que facilmente se relaciona com a obra animada. Deve-se, assim, ter uma mente aberta para assistir ao filme, pois não se pode esperar nada mais do que isso: uma grande mistura de elementos bobos e caricatos que se juntam em um produto final cômico, felizmente com uma identidade própria. Assim como a protagonista, a história amadurece, mas não tanto.

Além disso, brinca com a animação contextualizando ações e sentidos da obra antiga para a nova. Um exemplo disso é quando Dora quebra a quarta parede e fala diretamente olhando para a câmera: quando criança, seus pais acreditam que essa é apenas uma maluquice da infância, e acreditam que, quando crescer, vai parar de falar com o nada; já adolescente, Dora carrega consigo uma câmera portátil, filmando suas aventuras para as redes sociais, e ao falar com a câmera está, nisso, falando com seus seguidores – ao mesmo tempo que quebra a quarta parede e conversa com os espectadores não diegéticos.

Outras duas piadas que brincam com o universo da animação se destacam. Primeiramente quando uma das personagens se questiona sobre a necessidade de uma raposa precisar usar uma máscara – afinal, que necessidade uma raposa tem de esconder sua identidade? Já a segunda piada está presente quase no terceiro ato, onde um acidente químico faz com que as barreiras entre animação e live action se quebrem, e nisso vemos um dos pontos mais geniais da adaptação, o qual, inclusive, está cheio de referências para aqueles que assistiram ao desenho de 1999.

Números musicais também estão presentes no longa-metragem, e são em sua maioria bobos e infantis, como quando Dora apresenta uma música para sua colega afim de ajudá-la a ir ao banheiro no meio da selva. Para completar a quantidade de clichês infantis – que, novamente, dão certo devido à proposta da obra – o espectador é convidado a finalizar o filme junto de um número musical coletivo, semelhante aos de High School Musical, com todas as pessoas ao redor entrando na dança, porém bem mais propositalmente pateta.

Esta palavra, assim, se torna uma representação digna da composição fílmica de Dora e a Cidade Perdida como um todo: pateta. Novamente valendo ressaltar, não um pateta ruim, que tenta mirar em algo grande e erra, e sim um pateta despretensioso que busca, em sua maioria, animar a garotada e tirar uns risos daqueles que se propuserem a ver o filme de mente aberta. Assim, tanto os personagens quanto as situações se mantém, quase sempre, em um nível risível de pateta, se mostrando uma comédia que soube complementar a obra original.

Outro acerto do filme foi em relação aos atores, que convencem em seus papéis. Cada um deles consegue representar muito bem seus personagens, mesmo que estereotipados: o garoto popular, a garota sabichona, o garoto excluído e os pais super preocupados. Já Isabela Moner – agora Isabela Merced – incorpora a protagonista de forma bastante significativa, porém a infantilidade da personagem acaba se contrastando em relação ao seu figurino um tanto apertado, o que pode passar a impressão errada em uma análise mais aprofundada em relação aos padrões de gênero na mídia.

Ainda assim, levando em consideração o filme como um todo, assim como sua proposta, é possível dizer que Dora e a Cidade Perdida entrega ao público aquilo que promete, resignificando a animação em um contexto mais atual e moderno, com um humor propositalmente infantil e escrachado. É uma obra que deve ser consumida de forma despretensiosa, onde o espectador – aquele que não seja uma criança, ao menos – não deve esperar nada mais e nada menos do que uma cômica aventura juvenil que, claramente, se mantém explicitamente boba – e é por isso que dá certo. O filme, portanto, mantém seu humor e sua genialidade a partir de sua extrema infantilidade proposital, seus componentes fílmicos beirando o ridículo e um risível sentimento compartilhado de vergonha alheia – você consegue ver a vergonha alheia? Se conseguir, diga… Vergonha Alheia! 

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