Luc Besson se mantém mediano com poderoso grito de liberdade em “Anna – O Perigo Tem Nome”

“Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”. A frase em questão aparenta um desejo atual diante as desigualdades políticas e econômicas crescidas de uma ideologia atrasada. No entanto, a oração em questão faz parte do significativo repertório de Rosa Luxemburgo (1871-1919), uma importante filósofa, mas que fez sua fama por travar uma militância revolucionária pela Social-Democracia da Polônia, Partido Social-Democrata da Alemanha e Partido Social-Democrata Independente da Alemanha. Desafiou grandes líderes de maneira militante, revolucionária e internacionalista. Em 2019, Rosa ganha cabelos louros, nacionalidade russa e o nome Anna Poliatova

Apesar da biografia de Rosa não envolver espionagem, KGB e CIA (pelo menos não consta em sua história), há uma enorme familiaridade com a nova personagem construída por Luc Besson, conhecido por trabalhar personagens femininas significativas, justamente com intuito de fazer seus filmes funcionarem a uma gama maior de público.

Mesmo construindo contradições propositais para subverter o papel “clássico” das mulheres em filmes de ação, o cineasta francês demonstra prazer em trabalhar suas tramas mirabolantes envolvendo bons personagens. Com Anna – O Perigo Tem Nome não é diferente, mas também não é nada original. Seguindo bons caminhos de seu sucesso passado, Nikita – Criada Para Matar (1990), Besson procura construir uma narrativa única, empolgante e memorável. No entanto, o cineasta se mantém limitado a referências de filmes dos anos 80 e 90 que trabalharam a mesma trama de espiões inúmeras vezes, com o mesmo estilo de plot twistQue aqui, demonstra-se exagerado diante o número constante de chocantes viradas, com a intenção de fazer o público se interessar cada vez mais com a jornada de seus personagens.

Ainda que as construções sejam bem feitas e encaixadas, suas frequentes aparições transformam o imprevisível em previsível, perdendo toda a essência desejada em um núcleo que clama por essas e outras características. A ação, que também faz parte desse núcleo de exigências no gênero, fica em um meio termo no quesito “expectativa”. Diante o aproveitamento da essência de Nikita – dentro de um cenário mercadológico que conta com Atômica (2017) e A Vilã (2017) – Anna – O Perigo Tem Nome não se aproveita das inúmeras possibilidades criadas para desenvolver cenas de ação marcantes como as de David Leitch, por exemplo.

Mesmo com boas cenas, elas se demonstram limitadas a exclusivos show offs, não conseguindo estabelecer se a obra é um suspense tenso de espionagem ou um filme de ação. Há aqueles que conseguem um equilíbrio saudável entre os dois, o que, aqui, não é caso, tornando Anna – O Perigo Tem Nome no meio termo entre Atômica e Operação Red Sparrow (2018). 

Filme esse também presente na construção do roteiro da trama, já que Besson estabelece – como também em outras obras – uma justificativa para a sensualidade feminina e sua objetificação. Atômica também é essencialmente utilizado em sua trama. Ainda que a qualidade técnica de Besson não supere a de Leitch, os dois longas se aproveitam de fortes personagens femininas em simples tramas. Mas, mesmo simplórias, trazem um poderoso discurso em suas entrelinhas. Anna – O Perigo Tem Nome acaba se tornando uma obra mais explícita nesse quesito por deixar claro em seu roteiro a luta por liberdade feminina.

Entretanto, o discurso é bem encaixado na trama, por servir como um gatilho à narrativa. Ainda que as personagens procuram liberdade de determinado núcleo, é clara a mensagem de uma liberdade muito maior. E nisso, Besson acerta satisfatoriamente. 

Aproveitando do clássico embate da Guerra Fria, com confrontos entre o núcleo americano e soviético, a jornada de Anna – O Perigo Tem Nome aparentava seguir a clássica narrativa do bem contra o mal, mas o francês consegue decentemente subverter isso para algo a mais, dando, como citado, uma importância maior para uma jornada em busca da liberdade. E se torna mais convincente pelas personagens de Sasha Luss e Helen Mirren.

Enquanto a renomada atriz britânica mantém sua honesta atuação, presente em seus últimos trabalhos, Sasha se esforça para entregar um bom serviço que, no fim das contas, compensa, apesar de não surpreender, mantendo-se ainda muito distante da personagem de Anne Parillaud. Por essa superioridade feminina, os papéis de Luke Evans e Cillian Murphy seguem o caminho que muitas personagens femininas tomaram diante muitos e muitos anos no cinema. 

Ainda que Rosa Luxemburgo seja um nome diretamente ligado ao novo filme de Luc Besson, há uma outra frase, essa, do ativista Martin Luther King, que não só conversa com a personagem, mas também com toda a mensagem envolvendo a busca pela liberdade feminina: “A liberdade jamais é dada pelo opressor; ela tem que ser conquistada pelo oprimido”.

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