“O Link Perdido” é uma bela e relevante animação Laika, mesmo que arrastada e não atingindo seu potencial

Ieti. Sasquatch. Pé Grande. Diferentes nomes para uma mesma criatura que marca diversas histórias ao redor do mundo, desde jogos de videogames e livros até os mais variados filmes – com enfoque para Abominável, animação que estreou alguns meses atrás. A própria premissa por traz dessa lenda é bem criativa, mas facilmente explicável: uma grande criatura humanoide que vive escondida nas florestas, e se é amigável ou hostil, cabe a versão escolhida responder.

Em O Link Perdido, filme do estúdio Laika (responsável por Coraline, ParaNorman, Noiva Cadáver, entre outros) com significativos nomes no elenco, temos uma versão um tanto diversificada da criatura a partir de uma trama criativa, mas que deixa a desejar. Se passando em 1886, o espectador é convidado a acompanhar Sir Lionel Frost, explorador de criaturas lendárias. O personagem, interpretado na versão original por Hugh Jackman, é um homem egocêntrico que liga apenas para si mesmo, fazendo de tudo para impressionar um clube de ex-aventureiros ricos e renomados, porém estes o que tem de dinheiro, tem de arrogância. O protagonista encontra, assim, um Pé Grande, explicado, nesta obra, como um ancestral do ser humano que evoluiu de forma diferente, possuindo um cérebro humano mas corpo similar a um macaco – por ser um link entre os humanos e suas espécies anteriores, Sir Lionel o nomeia de Link, apelido o qual dá nome a trama.

A trama se desenrola a partir daí, onde a relação entre o protagonista e a gentil criatura se mantém como foco principal do roteiro. A amizade dos dois, entretanto, é um tanto desbalanceada: enquanto Link admira e respeita o companheiro, Sir Lionel promete ajudá-lo a encontrar outros Ietis apenas pelas vantagens que isso lhe trará.

Partem, assim, para Shangri-La, onde acredita-se que há uma espécie que evoluiu de forma diferente, constituindo um grupo de Ietis. No caminho de suas desventuras, passam por diversas situações um tanto diferentes, as quais acabam por, em certo ponto, se tornar desgastantes. O espectador não tem tempo para respirar em meio a tantas situações aventurescas diversas, uma logo em seguida da outra, fazendo com que a emoção das cenas subsequentes seja sempre menor que as anteriores.

O número de elementos, assim como as cenas, se mantém excessivo, evidenciando um problema com o ritmo da animação. Determinados pontos, devido a rápida sequência de acontecimentos e elementos, acabam se tornando desinteressantes, como alguns momentos de perseguição e fuga, valendo ressaltar que alguns personagens acabam não tendo a atenção merecida. Adelina Fortnight, uma dos principais personagens de O Link Perdido, só é apresentada quase ao meio do filme, e também não tão bem trabalhada no roteiro quanto poderia – ou, ao menos, merecia. Se torna quase uma injustiça com o espectador não desenvolver mais esta personagem que, pouco a pouco, se mostra extremamente divertida e complexa em relação a época apresentada: uma mulher que viveu na sombra de diversos homens, mas que é mais inteligente, forte e astuta que todos eles.

Entretanto, mesmo com estes defeitos, a animação ainda se mantém com o selo Laika de qualidade, podendo não ser tão boa quanto “Coraline e o Mundo Secreto” ou “ParaNorman”, mas certamente atingindo uma produção estética tão bela quanto as de seus antecessores. Além disso, as piadas do filme certamente são o suficiente para divertir os espectadores mais despretensiosos, os quais buscam apenas dar algumas boas risadas.

Ainda assim, o maior mérito do filme vai para os assuntos que busca discutir, mesmo que de forma indireta. Além do empoderamento de Adelina, temos uma leve crítica em relação ao colonialismo e, melhor ainda, uma breve desconstrução nos padrões de gênero: qual o problema de um menino ter nome de menina? Ressalta-se, entretanto, uma significante crítica ao racismo, na qual intensifica-se na ideia errônea de que um grupo de pessoas, devido a sua cor, é superior às outras. Tais críticas e reflexões são todas abordadas de forma bastante criativa, agregando à trama e dando ainda mais relevância à obra como um todo.

Se utilizando de personagens criativos para passar mensagens bastante relevantes, a animação constitui uma produção interessante não só pra crianças, mas também para aqueles que querem descontrair sem muita seriedade. O Link Perdido, assim, se mantém uma obra animada divertida, mesmo que com um ritmo um tanto cansativo. Uma obra relevante tanto em significado quanto em estética stop-motion, não atinge todo o seu potencial e, por causa disso, arrisca desinteressado os espectadores em seu meio, podendo levar muitos a, inclusive, deixá-lo de lado antes mesmo de alcançar as melhores partes da obra.

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