O ÚLTIMO DUELO | UMA HISTÓRIA ATUAL NUM DRAMA MEDIEVAL

Uma mulher sofre um estupro, o estuprador alega ter sido consensual, ela é julgada pela sociedade. Esse é o enredo de muitas produções atuais, principalmente pós movimento #MeToo, mas essa é, infelizmente, uma situação que já acontece há séculos, como no caso de O Último Duelo. Baseado em eventos reais, o filme conta a história do duelo disputado entre o soldado Jean de Carrouges (Matt Damon) e o galanteador Jacques Le Gris (Adam Driver), que se deu por conta da denúncia de estupro que Marguerite, a esposa de Carrouges, fez contra Le Gris.

O que torna O Último Duelo um filme especial é o modo como sua história é contada. O roteiro é do trio Ben Affleck, Matt Damon e Nicole Holofcener, e a direção ficou nas mãos experientes de Ridley Scott, o filme repete a história do crime em três partes, cada uma contada sob um ponto de vista diferente.

A primeira parte conta a história sob o ponto de vista de Jean de Carrouges, um cavaleiro nobre e dedicado ao rei, que casa com Marguerite por conta de um acordo com o pai da moça, apesar de sua falta de dote. Jean não é especial em qualquer aspecto, mas cumpre a lei e vive a vida honesta que se espera dele, enquanto Le Gris, sob seu prisma, é um homem mimado e sem honra, que vive uma vida sem esforços e conquistas. O papel de Marguerite na sua história é quase irrelevante e quando ela conta a ele sobre o estupro, ele a defende com unhas e dentes, mas na verdade só está defendendo a própria honra que ele acredita ter sido maculada.

Já a perspectiva de Le Gris, apesar de contar a mesma história, não poderia ser mais diferente. Ele acredita que sempre foi respeitoso em relação a Jean, até que conhece sua esposa, em sua visão uma mulher sagaz e inteligente, que flerta com ele desde o momento em que se conhecem e depois, quando Le Gris vai atrás dela com segundas intenções e confessa seu amor, começa diz que não apenas para manter as aparências, já que é uma mulher casada, mas que acaba sucumbindo, e o ato sexual teria sido consensual e algo que não poderia ter sido evitado por nenhum dos dois. Ele chega ao duelo jurando sua inocência.



Por fim, temos a versão de Marguerite, e aqui o texto na tela enfatiza “A verdade segundo Marguerite” deixando as palavras “a verdade” por mais tempo na tela. Aqui, vemos desde o começo uma mulher cuja independência é completamente apagada, sempre vista como um objeto sem valor, primeiro pelo seu pai e depois por Jean, que só quer um herdeiro a qualquer custo. Cada interação que Marguerite teve com os dois homens muda drasticamente em sua versão, apesar dessas mudanças estarem em detalhes como um olhar, um cumprimento. É nessa parte também que o filme chega mais perto de contar uma história menos parcial e é, de longe, o que salva o filme. Jodie Comer no papel de Marguerite consegue transparecer as todos os conflitos enfrentados pela mulher na era medieval.

O maior defeito no filme é, ironicamente, o que ele tenta afastar e ressignificar: a presença machista e impositiva dos homens dessa narrativa. As duas primeiras partes do roteiro foram escritas por Bem Affleck e Matt Damon e apenas a última escrita por Nicole Holofcener e a diferença é gritante. As duas primeiras partes focadas nos pontos de vista masculinos são palco para masculinidade tóxica gratuita e sem grandes contemplações. Matt Damon e Adam Driver estão bons em seus papéis e a história consegue se sustentar, apesar de ser um pouco mais arrastada que o necessário em algumas partes, mas muito tempo de tela é dedicado às performances de masculinidade de cada personagem sem levar a qualquer lugar.

É especialmente decepcionante que Marguerite tenha tão pouco destaque nas primeiras partes do filme considerando que Jodie Comer poderia ter contribuído muito mais para um sucesso maior do filme, ainda assim ela brilha em todas as oportunidades que lhe são dadas e rouba a cena no terceiro ato.

A história entretém (além de fazer passar nervoso) e o duelo em si é uma cena que faz a espera valer a pena. Sem dúvidas não é o melhor filme da carreira de Ridley Scott, mas talvez seja um dos melhores da sua carreira mais recente. Apesar de Marguerite nunca ter tido a justiça que merecia, é bom ver sua história contada séculos depois e com maior proximidade da verdade.

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