QUEM VAI FICAR COM MÁRIO | APESAR DA TEMÁTICA ATUAL, COMÉDIA SE PERDE COM HUMOR ULTRAPASSADO

O mês de junho é o mês em que as grandes empresas decidem levantar a bandeira da diversidade, isso porque é também o mês em que se comemora o orgulho LGBTQIA+ e nessa toada estreia o filme Quem Vai Ficar com Mário?, uma comédia nacional baseada no filme italiano de 2010 “Mine Vaganti”.

Assim como no filme que serviu de inspiração, o protagonista, aqui chamado Mário (Daniel Rocha) (e sim, a piada do nome “Mário” é feita pelo menos uma vez) é um homem gay que está num relacionamento, mas que nunca se assumiu para a família, que além de não saber sobre sua sexualidade também não sabe que Mário trocou de carreira e ao invés de seguir estudando administração para cuidar dos negócios da família, acabou se tornando escritor. Quando Mário decide, enfim, contar a verdade para sua família homofóbica, conta primeiro para o seu irmão (Rômulo Arantes Neto), que na verdade é gay também e se assume para antes de Mário, que perde a coragem depois de ver a reação de seu pai (ele chega a infartar).

Essa adaptação nacional difere da original por um motivo bem específico: aqui, uma mulher aparece na vida de Mário e muda quase tudo em sua vida.

A família de Mário é dona de uma marca de cerveja gaúcha e depois do infarto do pai os negócios ficam nas mãos de Mário. Apesar de sua irmã ter muito mais afinidade com esse mundo, é constantemente negligenciada pelo pai e marido que além de homofóbicos ainda são misóginos. Para alavancar as vendas da cerveja, é contratada a profissional de marketing Ana (Leticia Lima), uma mulher moderna e “empoderada” que logo de cara mexe com o – até então gay – Mário.

A ideia de Ana para a marca de cerveja é criar um produto para o público pink (a comunidade LGBTQIA+) e ela decide que a melhor opção para isso é desenvolver uma cerveja rosa, tudo isso escondido do patriarca da família. Essa é uma das problemáticas do filme. Pink Money é a expressão usada para falar das empresas que se aproveitam da bandeira LGBT+ para vender mais sem ter um real comprometimento com a causa e é exatamente o que acontece no filme. A empresa pertence a um homem abertamente homofóbico, mas vai fazer uma campanha com cerveja rosa para lucrar com o público gay, porém, no filme isso não é abordado e a campanha é vista como algo positivo.

Outro problema no filme é a representatividade. São três os personagens gays de maior destaque e os três são interpretados por atores cisgêneros (não trans) e heterossexuais. Atores héteros interpretando personagens gays é um assunto bastante discutido e gera opiniões diversas, mas a principal questão aqui é que os únicos atores gays são também os que têm menos participação na história ao mesmo tempo que são os personagens mais caricatos e estereotipados, muitas vezes chegando a reproduzir falas machistas com tom de piada.

A real representatividade do filme fica com Nany People vivendo Lana, amiga de Mário no Rio de Janeiro e que vai para serra gaúcha atrás dele junto com seus dois outros amigos, todos da companhia de teatro dirigida por Fernando (Felipe Abib), namorado de Mário. Nany People está muito bem no papel que é bem similar às suas apresentações na vida real. Durante a coletiva de imprensa do filme, Nany comentou que só aceitou participar do filme depois de diversas alterações no roteiro, isso porque incialmente ele continha piadas e frases com as quais Nany não concordava, mas por ser um filme passado em 2021, muitas alterações deveriam ter sido feitas adicionalmente.

O longa de quase 2 horas de duração é carregado, do começo ao fim, de trocadilhos sexuais no nível do tiozão do pavê que até poderiam ter sido engraçados há alguns anos, mas que hoje em dia já não têm o mesmo efeito.

A sexualidade de Mário e sua indecisão entre ficar com Fernando ou Ana são tratadas de forma leve, mas também muito superficial e acaba dando a impressão de que sexualidade é uma escolha e que bissexualidade é se relacionar com os dois sexos ao mesmo tempo, ambas afirmações fortemente refutadas pela comunidade.

Quem Vai Ficar com Mário tem o coração no lugar certo, a ideia de poliamor e pansexualidade é atual e relevante, mas a execução não deixa clara a intenção por trás da trama e desses personagens. Os atores são bons e entrosados e a fotografia do filme, que tem como cenário as serras gaúchas, é belíssima, mas a mensagem passada acaba sendo confusa e pouco contribui com a bandeira que levanta.

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