QUERIDO EVAN HANSEN | UMA ADAPTAÇÃO QUE ESQUECEU DE SE ADAPTAR

Esse ano de 2021 é um grande ano para musicais, entre a estreia de Em um Bairro de Nova York, Tick, Tick… BOOM e Amor Sublime Amor, temos também Querido Evan Hansen.

Para quem não está familiarizado com os musicais da Broadway, Querido Evan Hansen foi o primeiro grande sucesso depois de Hamilton. O musical estreou na Broadway em 2016 e apesar de não ter alcançado o mesmo status de seu antecessor, chegou a ganhar 6 Tony Awards (o Oscar do teatro) e o coração de milhares de fãs e da crítica especializada também. Grande parte desse sucesso se deve ao talento de Ben Platt, que originou o papel de Evan Hansen, e tem uma das vozes mais marcantes do cenário de teatro musical atual, além de ter entregado uma performance profunda e sensível. De todo o elenco do musical, o único que reprisou seu papel para as telonas foi justamente Ben Platt, mas dessa vez nem seu talento pode garantir o sucesso do filme.

 “Querido Evan Hansen” conta a história de um adolescente que luta com alguns transtornos como ansiedade e depressão e se sente solitário tanto em relação a amigos quanto à família. Seu único colega é um amigo da família, seu pai abandonou a ele e sua mãe quando Evan ainda era uma criança e continuou ausente durante toda sua adolescência, sua mãe cuida sozinha da casa e acaba dedicando quase todo seu tempo ao trabalho para dar a melhor vida que pode ao seu filho. Evan é ansioso, tem todos os tipos de tiques e está sempre desconfortável em toda e qualquer situação. Como tarefa dada por seu terapeuta, Evan deve escrever a si mesmo cartas otimistas que o ajudem a encarar um novo dia, porém, desesperançoso e deprimido, ele acaba escrevendo uma carta negativa, reclamando dos amigos, da família e da vida. Ele imprime a carta na escola e quem encontra é Connor (Colton Ryan), um menino rebelde e excluído que também lida com seus próprios problemas pessoais.

Uma série de mal-entendidos ocorre, e quando Evan é chamado pelo diretor da escola para uma conversa, descobre não só que Connor havia cometido suicídio, mas que fora encontrado com a carta de Evan no bolso, o que levou seus pais a acreditarem que Evan era seu único amigo. Evan poderia – certamente deveria – ter negado e contado a verdade, mas ao ver a esperança dos pais de Connor, segue com a mentira e a partir daí a história vira uma verdadeira bola de neve.

Muitos aspectos fazem com que o sucesso prévio de Querido Evan Hansen não seja sinônimo de sucesso para o cinema, mas o principal deles é também o aspecto mais importante de um filme: a história. Sendo fã de musicais, assim que Querido Evan Hansen começou a fazer barulho na Broadway, corri para assistir, mas desde o começo fiquei confusa com tamanho sucesso. Evan Hansen não é um personagem carismático. É verdade que pessoas que passam por dificuldades relacionadas à ansiedade, solidão e coisas do tipo podem sentir empatia por ele em alguns momentos, mas nada justifica as atitudes do menino que se aproveita da morte de um adolescente e do luto de seus familiares para ganho próprio. Não é apenas uma questão de empatia, por grande parte da trama, Evan chega bem perto de parecer um sociopata.

E se a história já não convencia nos palcos, convenceu muito menos nas telonas. Com exceção de um detalhe ou outro, o filme segue à risca o musical, mas o que poderia ser um ponto a favor, acabou se tornando um obstáculo. Por exemplo, Ben Platt, que reprisou aos 27 anos o papel que interpretou aos 23 (e é evidente o quão distante ele está de ser um adolescente). Seu talento é indiscutível, principalmente se tratando dos vocais, mas sua atuação continua calibrada para os palcos e não para o cinema, e o excesso de closes, principalmente durante as músicas, acabam acentuando essa característica e nos tira a concentração em alguns momentos.

As músicas são boas, afinal não é à toa que o musical fez sucesso, com destaque para “Sincerely, Me”, que já era minha música preferida antes e não decepcionou, essa é com certeza o destaque da trilha sonora, com um visual próprio para o cinema, um ritmo animado, e uma tirada irônica para toda confusão que envolve Evan e Connor e que poderia ter colocado o filme no caminho certo. Vale ressaltar também a química entre Ben Platt e Nik Dodani, que faz o papel de Jared, o amigo de família de Evan que sabe de toda a história por trás da carta e acaba ajudando Evan a contar sua mentira. As outras músicas contribuem para o clima tenso que segue o filme até o final, mas embalam a história de forma sensível.

Se destacando positivamente também temos as mães. Amy Adams, como mãe de Connor, uma mulher em luto e desesperadamente apegada a qualquer coisa que a ajude a acreditar que seu filho fora minimamente feliz durante sua vida e Julianne Moore como mãe de Evan, essa última roubando a cena muitas vezes e sendo responsável por um dos momentos mais emocionantes de todo o filme, em que tem uma conversa franca com seu filho.

O filme de Querido Evan Hansen não vai te passar uma boa mensagem (apesar de tentar, com muito esforço, redimir Evan no final), nem vai te fazer se apaixonar pelos personagens ou torcer por eles, mas esses são problemas que já existiam antes e que o filme simplesmente não conseguiu consertar. As performances e as músicas têm suas virtudes e pra quem é fã de musicais, pode até ser uma boa distração, mas, no geral, não é um musical necessário.

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