TEMPO | O ENVELHECIMENTO ATERRORIZA NO NOVO THRILLER DE SHYAMALAN

M. Night Shyamalan é um daqueles diretores que quando vemos o nome no pôster de um novo filme, já sabemos que tem coisa bizarra a caminho. Desde reviravoltas que já se tornaram clássicos, como do filme O Sexto Sentido a enredos que exigem que a gente assista ao filme mais de uma vez para ter certeza de que entendeu tudo, como no caso de Fragmentado, com Shyamalan a única coisa que sabemos é que não temos ideia de qual será sua próxima grande ideia.

Nesse caso, a ideia não veio dele, o filme “Tempo” é inspirado na HQ Sandcastle, escrita por Pierre-Oscar Lévy e Frederik Peeters, mas é claro que diversas mudanças foram feitas – inclusive no desfecho – para que “Tempo” chegasse aos cinemas pela visão de Shyamalan e ainda que não seja o tipo de filme impossível de entender (ele até se explica demais), vai contar uma história bizarra.

Os Cappa são uma família comum. Guy (Gael García Bernal) e Prisca (Vicky Krieps) são pais de duas crianças, Maddox de 11 anos e Trent de 6. Eles estão todos a caminho de um resort paradisíaco para passarem férias em família, mas já no início descobrimos que as coisas não são tão perfeitas quanto parecem: o casamento dos pais está acabando e a mãe tem um tumor que, apesar de não ser maligno, ainda apresenta algum risco à sua saúde e as férias foram uma desculpa para que a família estivesse toda junta, talvez pela última vez.

O resort parece realmente um pedaço do paraíso, os pais são recebidos com drinks personalizados, tudo é lindo e eles ainda são convidados para fazer um passeio à uma ilha deserta, reservada apenas à hospedes selecionados. Sem saber que estavam num filme de terror, a família aceita. Uma outra família também é convidada, Charles (Rufus Sewell) é um médico viajando com sua mãe Agnes (Kathleen Chalfant), sua mulher bem mais nova e obcecada com aparência Chrystal (Abbey Lee) e sua filhinha de 6 anos Kara. Quem dirige a van que leva as famílias para a ilha é o próprio Shyamalan numa participação especial.

As coisas começam a ficar estranha quando eles chegam na praia. Já estava lá um homem sozinho e calado que Maddox logo reconheceu como um rapper chamado Mid-Sized Sedan, que parece traumatizado, mas não se sabe o porquê. Logo depois chega mais um casal de hóspedes do hotel, Jarin (Ken Leung) e sua esposa Patricia (Nikki Amuka-Bird). Coisas estranhas continuam a acontecer e ficam cada vez mais intensas, as crianças começam a crescer num ritmo acelerado, cortes se tornam cicatrizes em questão de segundos e não é necessário ser um gênio para entender o que está acontecendo: na ilha, anos passam em minutos. Eles tentam fugir, mas perdem a consciência sempre que tentam.

A premissa é realmente tão interessante quanto parece. O passar do tempo acelerado gera situações bizarras e desesperadoras e a direção de Shyamalan consegue nos fazer sentir a angústia da contagem regressiva. As crianças logo se tornam adolescentes, o tumor de Prisca que antes era imperceptível chega ao tamanho de um melão e muitos problemas surgem enquanto eles tentam descobrir como escapar.

“Tempo” tinha tudo para ser um ótimo filme de terror, mas falha em alguns pontos. Os personagens são bidimensionais ao ponto de não ser possível nos conectar a eles, Guy trabalha como auditor de seguro de vida, então todas suas falas e preocupações são relacionadas a dados numéricos de chance de sobrevivência, Patricia é uma psicóloga, logo todas suas falas trazem frases clássicas de psicanálise e esses são apenas exemplos. Os diálogos também não avançam o enredo e é só no terceiro ato que servem para complementar a história, quando a família Cappa contempla a passagem de tempo e tudo que perderam, mas de todos os pontos negativos, o que mais se destaca é o excesso de explicação.

Existe uma razão para essas famílias terem sido escolhidas, para ninguém conseguir sair da ilha e, bem, para tudo, mas os melhores momentos de “Tempo” são aqueles em que coisas tão sinistras acontecem que a gente chega a se esquecer de que existem razões e teria sido mais satisfatório continuar assim, já que o desfecho não fica exatamente à altura dos demais acontecimentos. Talvez uma boa opção teria sido investir mais nas bizarrices e mergulhar de vez no gênero de horror, se preocupando menos com as engrenagens por trás de tudo.

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