Tenso e incômodo, “Detroit em Rebelião” põe o dedo na ferida e retrata o abuso policial nos EUA

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Madrugada do domingo, dia 23 de Julho de 1967. Esse foi o limite para toda a população de um bairro negro nos subúrbios de Detroit. Policiais invadem um clube noturno durante uma festa que celebrava o retorno de dois veteranos da Guerra do Vietnã. A polícia esperava poucos clientes no local, entretanto, quase 100 pessoas estavam lá. Enquanto vários eram retirados do local e detidos – muitos sem motivo aparente – um grupo de moradores cerca as viaturas. A coisa esquenta e acaba em pancadaria dos dois lados, com várias pedras e garrafas sendo arremessadas nos policiais.

Esse era apenas o início da rebelião, que se arrastaria até a quinta-feira daquela semana. Mas, tudo o que está ruim pode piorar, e muito. Na quarta-feira, alguns adolescentes negros são mortos e outros torturados psicologicamente quando a polícia invade o Motel Algiers em busca de um atirador. O filme “Detroit em Rebelião”, que estreia essa semana, aborda bem de perto o trágico evento ocorrido.

Respectivamente escrito e dirigido pela dupla dinâmica Mark Boal e Kathryn Bigelow (ambos vencedores do Oscar por “Guerra ao Terror”, além da contribuição em “A Hora Mais Escura”), o filme usa o evento no motel como microcosmo para analisar toda a questão da tensão racial entre brancos e negros nos EUA dos anos 60, principalmente denunciando os problemas históricos da comunidade: desemprego, segregação, condições ruins de escola e moradia, falta de oportunidade, brutalidade policial e, é claro, racismo. Após décadas de repressão, era questão de tempo para a panela de pressão explodir.

2017 completa 50 anos desde que a rebelião aconteceu e curiosamente – pelo menos lá nos EUA – a discussão ainda é um assunto delicado e aparentemente longe de acabar. No entanto, senti que a abordagem de Bigelow é ser a mais “neutra” possível, expondo os dois lados do confronto para deixar o espectador na condição de juiz. Ao mesmo tempo em que as ações da polícia são exageradas e mostram despreparo para lidar com a situação, a população também tem sua parcela, destruindo seu próprio bairro e saqueando lojas de trabalhadores da vizinhança. Se eu tivesse que definir “Detroit” em uma sentença, provavelmente seria “o perigo da falta de comunicação”.

“Detroit” é um filme longo, um drama pesado de quase duas horas e meia de duração. Apesar de poder parecer um tanto arrastado – com algumas sequências longas demais – acho compreensível a estrutura narrativa escolhida por Bigelow para o filme. Ao invés de abordar todo o conflito como uma espécie de documentário, a diretora escolhe a tragédia do motel para simbolizar todo o contexto por trás da rebelião. Desta forma mais concisa, ela consegue apresentar melhor seus protagonistas e trabalhar um dos seus pontos mais fortes como cineasta: fazer o espectador vivenciar o conflito junto com os personagens.

 

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Os três atos são muito bem definidos. Primeiro, somos apresentados a Dismukes (John Boyega), um segurança de uma loja da vizinhança; Krauss (Will Poulter), um jovem e esquentadinho policial e ao The Dramatics, um grupo de aspirantes a novas estrelas do famosíssimo selo Motown Records, que no dia da sua apresentação para o público foram impedidos graças a um quebra-quebra na região. Quis o destino que alguns deles esperassem uns dias no motel Algiers, até a situação normalizar e eles voltarem para casa em segurança. O desenrolar no motel ocupa grande parte do filme. E da mesma maneira como fez nos seus dois filmes anteriores, Bigelow escolheu filmar a ação dentro do motel com várias câmeras ao mesmo tempo.

Desta forma, ela consegue captar vários ângulos dos atores e ainda dar mais liberdade para eles usarem o espaço em cena. Depois de um tempo, o espectador se acostuma a “passear” pelo ambiente junto com os personagens, aumentando a sensação de imersão. Assim, ela consegue construir uma das sequências mais tensas e longas deste ano, quando Krauss e os outros policiais pressionam os clientes do motel a entregar quem atirou pela janela de um dos quartos na direção dos soldados que protegiam a rua – dentre os suspeitos estavam duas garotas brancas e três integrantes do The Dramatics. Após muitas falhas de comunicação, intolerância e abuso policial, é claro que as coisas saem totalmente do controle.

Por fim, o filme ainda reserva um bom tempo para mostrar as consequências da tragédia. Esses três atos mais longos do que o normal, podem incomodar algumas pessoas – a grande quantidade de “câmera de mão” utilizada também não agrada a todos. Mas, compreendo a escolha, até porque o efeito da rebelião na vida das pessoas é tão importante quanto o próprio conflito em si. Afinal, esse foi legado que ficou depois de tudo, e que dura até hoje. Quantos sonhos foram (e ainda são) frustrados? Direitos civis ignorados? O sistema de justiça é realmente justo? A meritocracia é capaz de resistir a um abuso psicológico e traumático? Eu não vou tomar parte da discussão, até porque considero esse um dos grandes méritos do filme, colocar o dedo na ferida e deixar o espectador decidir se as ações tomadas foram as mais corretas, do ponto de vista humano, legal, o que quer que seja.

“Detroit em Rebelião” poderia ter tomado o caminho mais fácil e contado uma história de mocinhos contra bandidos, mas há certa ambiguidade. Além da superfície, não me parece um confronto de polícia contra civis, há mais camadas de interpretação dentro do conflito. O medo, a incompreensão, sentimentos pessoais que se misturam (causando más interpretações), tudo contribui para a zona de guerra que é criada. Em meio a pessoas que realmente queriam brigar pelos seus direitos estavam vândalos e arruaceiros. Mas o despreparo dos responsáveis pela proteção do povo é que chama a atenção. É preciso fazer distinção entre quem saqueia comida e atira bombas.

Graças a direção muito segura de Bigelow, os diálogos afiados de Boal e uma contribuição de primeira linha do elenco – dos principais até os coadjuvantes – “Detroit” surge certamente como um dos melhores filmes sobre abuso policial dos últimos anos. Não chega a ter a “crueza” de um “Faça a Coisa Certa”, por exemplo, mas convence com uma trama incômoda, tensa e desgastante emocionalmente. Além de explorar o aspecto humano dos confrontos de maneira eficiente, mostrando como os detentores do poder sempre vão proteger seus interesses. John Boyega e principalmente Will Poulter estão realmente impecáveis e não me surpreenderia com algumas indicações para o filme na temporada de prêmios.

E você, já assistiu ou está ansioso para ver? Concorda ou discorda da análise? Deixe seu comentário ou crítica (educadamente) e até a próxima!

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