VENEZA | FALABELLA DIRIGE DRAMA TEATRAL E CHEIO DE SONHO

Miguel Falabella volta para trás das câmeras para dar vida à Veneza, longa baseado na peça de teatro homônima do escritor argentino Jorge Accame e que já estava em sua lista de desejo há mais de 10 anos.

Veneza conta a história de Gringa, uma mulher espanhola idosa e cega, dona de um prostíbulo, que viveu um grande amor quando era jovem e trabalhava como prostituta e conheceu o italiano Giácomo. Ele, também apaixonado, queria tirá-la da vida de prostituta para levá-la para Veneza, onde eles poderiam viver seu amor, porém, o meio encontrado por ele para tal liberdade foi “comprar” Gringa de sua cafetina. Gringa, obviamente, não concordou em ser tratada como mercadoria e eles acabaram se separando e ela vindo para o Brasil. Agora, anos depois e já distante de sua sanidade mental, a espanhola vive com o sonho de visitar a cidade italiana e pedir perdão a Giácomo.

Nos tempos atuais, o prostíbulo de Gringa abriga uma espécie de família unida, justamente, pela solidão. Dira Paes vive Rita, ela é quem manda na casa e vive uma espécie de romance com Tonho, interpretado por Eduardo Moscovis, um homem simples e nem um pouco refinado, ele é filho de prostituta e cresceu nesse meio, se tornando um “protetor” para as mulheres, ao mesmo tempo em que cobra serviços sexuais delas. Também faz parte desse núcleo, e é merecedora de destaque, Carol Castro como Madalena, ao lado de Danielle Winits como Jerusa.

Em meio às tentativas de criar uma Veneza brasileira para Gringa, ainda temos a história de Madalena e Julio (Yuri Ribeiro), um rapaz que é sempre levado ao bordel por seu pai para se relacionar com Madalena. O que o pai nem imagina, no entanto, é que Julio aproveita o tempo a sós que tem com Madalena para se travestir e o casal tem o sonho de ir para a cidade grande viver juntos e longe dos preconceitos do interior. A história de amor dos dois passa por muitas provações e eles são responsáveis pelos momentos mais angustiantes do filme.

Para contar essa história, Falabella optou por uma linguagem não só teatral, mas também muito lúdica. Além do núcleo do bordel, uma trupe circense ajuda a criar o clima propício para essa trama onírica quando, não conseguindo mais se esgueirar dos pedidos de Gringa para visitar Veneza, sua família postiça se junta para trazer Veneza até ela.

As influências de Fellini e, principalmente, de Almodóvar se fazem muito presentes, inclusive além do estilo, Falabella compartilha com Almodóvar sua musa Carmen Maura, que aqui interpreta a matriarca Gringa. Em algumas cenas fica mais clara a presença de certos caprichos cinematográficos não muito justificados, mas que não chegam a tirar o brilho da história.

O grande trunfo de Veneza é a sensibilidade com a qual Falabella consegue contar retratar as mazelas da vida dessas mulheres sem grandes perspectivas de vida. Os únicos cenários de todo o filme no período atual são o bordel e o circo e isso porque esses lugares são o mundo todo para essas pessoas que não conhecem nada além disso. Cada ida ao circo é vista por eles como uma coisa mágica, numa ingenuidade que não deveria condizer com pessoas que convivem diariamente com coisas negativas, mas é essa dualidade que emociona ainda mais.

O pecado de Veneza, que impede que o filme seja apenas acertos, talvez seja o excesso de relevância dada ao passado de Gringa e negligenciada na história de Madalena ou de Rita, por exemplo, que eram personagens ótimas e complexas, mas que acabaram sendo deixadas um pouco de lado para que Gringa pudesse brilhar mais.

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