A Ovelha Negra

Após um longo tempo sem grandes reformulações no cinema nórdico desde os filmes mudos do início do século, a década de 50 trouxe um renascimento para o cinema daquela região – especialmente na Suécia, mas em toda a Escandinávia – pela criatividade de diretores como Bergman e Dreyer, aliada a beleza das paisagens rurais e urbanas, explorando temas como o melancolismo, amor e o sentido para a vida, através de dramas que se tornaram verdadeiros clássicos da Sétima Arte. Após o marcante Dogma 95, os anos 2000 trouxeram liberdade e amadurecimento para que os países da região estabelecessem seu cinema nos mais diversos gêneros, como terror e comédia. E um dos países que mais desenvolveu a comédia como gênero principal do seu cinema foi a Islândia, através de filmes como ‘The Icelandic Dream’ (2000) e ‘Bjarnfreðarson’ (2009).

Hrútar 1

‘A Ovelha Negra’ é o segundo filme do diretor islandês Grímur Hákonarson, que conta a história de dois irmãos vizinhos, Gummi (Sigurdur Sigurjónsson) e Kiddi (Theodór Júlíusson), que vivem em um vale isolado na Islândia e são tradicionais cuidadores de ovelhas, como a maioria dos habitantes daquela região. Logo descobrimos que os irmãos não se falam a incríveis quarenta anos e participam como rivais de um Festival que premia a melhor ovelha do vale. Mas a situação entre os dois fica realmente insustentável quando Gummi acusa a principal ovelha de Kiddi de estar com “scrapie” – uma doença infecciosa e contagiosa, neurodegenerativa que leva os animais ovinos e caprinos (mais suscetíveis) à morte. Todo o vale entra em pânico pela gravidade da acusação e se preparam para decidir se sacrificam todos os animais da região, e isso também aflora a rivalidade entre os dois irmãos, gerando ainda mais animosidade na sua relação.

Hrútar 2

O roteiro escrito pelo próprio Hakonarson é de uma sutileza muito agradável. De forma paciente, as ações e diálogos comedidos dos personagens vão dando as informações que o espectador precisa para compreender o que se passa na história, sem exageros ou didatismo, aguçando mais a curiosidade e o interesse pelo filme. Além do drama que é a história em si e de situações cômicas utilizadas em alguns momentos, essa escrita paciente adiciona à trama um tom de mistério, que agregado ao clima inóspito e “branco” do inverno islandês, remete a clássicos como ‘Fargo’ (1996), por exemplo. Quem pensa que uma simples história de dois irmãos cuidadores de ovelhas não tem nada a oferecer, precisa refletir mais sobre isso, pois através de uma estrutura bem montada e que vai revelando aos poucos a trama ao espectador, o diretor consegue passar a bela mensagem que queria, sendo capaz de gerar uma grande resposta emocional na plateia no final das contas.

Hrútar 3

A fotografia do norueguês Sturla Brandth Grøvlen é excepcional e funciona muito bem dentro do contexto do filme, deixando claro ao espectador o local onde a história se passa, as características daquela população, seus hábitos peculiares, tornando os personagens “reais” dentro do filme. Sturla já havia ficado conhecido recentemente pela fotografia do filme ‘Victoria’ (2015), que é todo filmado em apenas um plano de 2 horas e 14 minutos! Após o ótimo trabalho em ‘A Ovelha Negra’, o jovem cinematógrafo desponta como um dos mais promissores profissionais europeus a se observar daqui para a frente. Todo o elenco também tem uma contribuição sensacional, passando verossimilhança ao filme, com destaque para o protagonista Gummi (Sigurdur Sigurjónsson), que consegue compor um personagem claramente incomodado com algo no passado, mas aparentemente aberto a uma reaproximação, embora não faça a mínima ideia de como conseguir isso. Além do trabalho de direção de arte que é excelente também, vestindo adequadamente os ambientes como celeiros, casas e a própria caracterização dos personagens.

Hrútar 4

‘A Ovelha Negra’ foi o candidato islandês ao Oscar, mas ficou de fora dos cinco indicados finais – e tinha totais condições de ser estar presente, diga-se de passagem – embora já tenha feito sucesso ao ser premiado no Festival de Cannes. Hakonarson sabe como explorar a paisagem cinematograficamente, utilizando planos bem abertos do cenário exótico da região e explorando bastante a profundidade de câmera quando possível. A utilização do ambiente remoto e frio melhora ainda mais a experiência de ver o filme e serve como analogia para a relação entre os dois irmãos, solitários e impassíveis com relação ao externo de suas próprias vidas, embora sempre ligados pelo (óbvio) parentesco, pela vizinhança que dividem, e pelo gosto e amor aos mesmos animais, as ovelhas. Ou seja, por mais que queiram se esquivar um do outro, a convivência entre eles é inevitável. Talvez o único “defeito” no filme, esteja no ritmo um tanto arrastado da história, que requer do espectador um pouco mais de paciência, mas como a duração do filme não é longa (1 hora e 33 minutos), isso não chega necessariamente a incomodar. Para quem procura ser surpreendido com uma bela história, é um excelente filme, que mescla drama, humor e mistério na medida certa, e ainda é capaz de emocionar.




Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

pt_BR