Boi Neon

Este segundo filme do cineasta pernambucano Gabriel Mascaro torna-se fascinante por diversos motivos. Começando pelo ponto de partida que não é o sofrimento de seu protagonista como vemos em filmes nos quais as histórias são passadas no sertão. Em seguida, o público acaba descobrindo sozinho outros atributos que ele tem e se deslumbra do início ao fim. É um trabalho notável com um roteiro inteligente, emocionante e com algumas situações de humor corrosivo que precisa ser conferido. Embora fuja dos estereótipos da seca nordestina, obedece algumas regras do gênero.

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Este também é o segundo pernambucano que o ator Juliano Cazarré interpreta (gesticulando e falando bem a linguagem pernambucana). Juliano é o tipo do ator, dentre muitos de sua geração que o público acha que só consegue papéis por causa do seu físico e do seu rosto bonito. Nas novelas costuma arrancar suspiros com personagens não tão notáveis exibindo mais músculos que o próprio talento em si. Em longas metragens, a coisa flui bem diferente (exemplo disso é seu primeiro personagem pernambucano em “Febre do Rato”) mostrando realmente sua desenvoltura na arte de representar. Em “Boi Neon” ele é Iremar, um vaqueiro bonitão que tem um sonho que é bem distante de sua realidade: ser um estilista.

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Em ‘Boi Neon’ Mascaro tira proveito de um esporte (que foi regularizado como tal em 2013) muito popular no nordeste, a vaquejada. O objetivo é derrubar o boi no chão. O filme acompanha uma trupe que viaja transportando bois para rodeios de vaquejadas. Eles são: Iremar, que dispensa qualquer trejeito de cabra macho do sertão (é um homem sensível, vaidoso e com aptidões para a moda), Galega (Maeve Jinkings, excelente) uma caminhoneira emburrada e sua filha Cacá. Junto a eles têm ainda Zé e Negão. Galega é a figura feminina que ganha destaque por causa do seu temperamento forte e é ela quem dança nos leilões de cavalos com roupas brilhantes feitas por Iremar com botas feitas com patas e uma máscara de cavalo. As cenas das danças sensuais de Galega, são um espetáculo à parte. Para fortalecer ainda mais este filme grandioso, o público se diverte com algumas situações engraçadas quando entra em cena Júnior (Vinícius de Oliveira) um sujeito também presunçoso (impossível não rir com o modo afeminado como ele dá chapinha no cabelo pondo em dúvida sua sexualidade) substituindo Zé. São estas figuras muito humanas e um visual simples e ao mesmo tempo atraente que fazem de “Boi Neon” um filme literalmente brilhante.

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Mascaro conseguiu com genialidade fazer algo fora do normal das produções que o Brasil costuma realizar – chegando por vezes até ser imparcial. O que o diferencia de muitos filmes sobre o agreste é a parábola sobre o homem que trabalha com bois, mas gosta de estar cheiroso, que em tempos livres costura e inventa modelos; e de colegas de trabalho que vivem como se fossem realmente familiares (Iremar e Galega por exemplo, se tratam como irmãos). Usando efeitos de luzes naturais e com efeitos neon no escuro, a fotografia belíssima é uma poesia sensível e aprazível de se ver. Fez assim como seu primeiro longa ‘Ventos de Agosto’, em que ele captura de forma minuciosa a rotina de moradores de uma comunidade à beira mar que tem suas vidas afetadas por uma forte tempestade no mês de agosto. Ele em sua experiência como diretor de documentários enquadra cenas propositalmente lentas em primeiro plano com narrações intensas, emotivas e cômicas (como a cena em que Iremar masturba um garanhão de puro sangue para roubar o sêmen). Em geral, o resultado é excelente.

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‘Boi Neon’ é uma sofisticada e atraente obra encantadora por sua sinceridade, por ter sequências dramáticas que emocionam entrando na lista dos filmes pernambucanos que têm ganhado notoriedade e representando bem o Brasil (foi laureado com o prêmio especial do júri no Festival de Veneza). Se tudo isso o torna magistral, há também panoramas de exploração de nudez dos protagonistas de maneira natural, que não tem foco sobre a sexualidade deles deixando este assunto de lado, porém, só revelado nos momentos finais. Mas o filme não é centrado no sonho de Iremar ou mostrar a realidade do povo do sertão nordestino, nem a crítica provocante sobre o modo como vivem e são esquecidos, e como também são discriminados. É uma suave e rara alegoria de cenários áridos e naturais impressionantes e um prato cheio para quem curte produção “brazuca” de boa qualidade.

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