SINOPSE

“Desde Wall E” (2008) que a Pixar não lançava uma animação tão interessante, imaginativa e encantadora, como Divertida Mente / Inside Out (2015). “Universidade Monstros / Monsters University” (2013), “Valente / Brave” (2012) e “Toy Story 3” (2010) foram ótimos filmes, mas estão longe de serem tão inovadores quanto os primeiros curtas e longas-metragens da empresa, que hoje pertence a Disney. Ainda que o argumento não seja dos mais inovadores, a forma como ele é desenvolvido, os conceitos abordados e as cenas e diálogos criados, são de uma complexidade e sensibilidade notáveis. Vale ressaltar que o filme tem uma maior oferta de sessões legendadas nas salas brasileiras, o que deve agradar espectadores que conhecem os atores que emprestaram suas vozes para a versão original, mas a dublagem brasileira é muito competente e não atrapalha a experiência cinematográfica.

A partir do nascimento da menina Riley, acompanhamos a narração da personagem-emoção Alegria (Amy Poehler/Miá Mello), que vive dentro da consciência da garota controlando como ela se sente. Conforme a introdução transcorre, descobrimos que a emoção não está sozinha, quando conhecemos Tristeza (Phyllis Smith/Katiuscia Canoro), Medo (Bill Hader/Otaviano Costa), Nojinho (Mindy Kaling/Dani Calabresa) e Raiva (Lewis Black/Léo Jaime). Juntos os personagens que vivem no subconsciente da menina, têm que lidar com as memórias que formam sua personalidade até que eles começam a enfrentar problemas, quando Riley precisa mudar de cidade transformando drasticamente seu estado de espírito.

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O roteiro se divide em três linhas narrativas, que transitam de um plano para outro, sem causar confusão na sua compreensão em nenhum momento. Sendo a primeira sobre a Alegria e a Tristeza, após um acidente que as afasta do centro de comando das ações e lembranças da garota, tentando voltar para a central de controle das emoções dela, tendo de aventurar-se pelos cenários que compõem seu comportamento. A segunda mostra Nojinho, Medo e Raiva tendo que assumir o painel de controle dos sentimentos, brigando para ajudá-la a enfrentar seus novos conflitos. A terceira demonstra como a menina interage com a família e tenta lidar com as frustrações do mundo real, decorrentes de sua mudança de residência.

Não faz sentido comparar as animações do estúdio criador de “Toy Story” (1995), com o intuito de mensurar se uma é melhor do que outra, pois cada uma delas é pensada de forma a personificar diferentes ícones de nossa cultura em pessoas, animais ou mesmo coisas inanimadas que lhes atribuem características únicas. As que decaíram significativamente em qualidade, foram “Carros 2 / Cars 2” (2011) e suas derivações “Aviões / Planes”, provavelmente por terem sido mais pensadas para agradar o público infantil, não sendo muito populares entre os adultos. ‘Divertida Mente’ utiliza uma ideia que lembra o conceito de outra animação, “Osmose Jones / Osmosis Jones” (2001), que transformava o sistema imunológico humano em personagens, que tinham que lidar com as doenças e vírus que o corpo do humano interpretado por Bill Murray contraía. Já ‘Inside Out’ explora o sistema nervoso e a psicologia humana, que lembra bastante a animação de curta-metragem “Cérebro Dividido / Brain Divided” (2013), provavelmente uma inspiração não-oficial.

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Não é apenas em seu conteúdo conceitual que o longa animado se destaca, mas sim na forma visual e dialógica utilizada para representar os protagonistas, utilizando metáforas e estereótipos inteligentemente trabalhados, numa bela interpretação de como funcionam nossas emoções. A animação é dirigida por Pete Docter, diretor de “Up – Altas Aventuras / Up” (2009) e “Monstros S.A. / Monsters Inc.” (2001), que assumiu o projeto após outro roteiro, que envolvia duas salamandras de uma espécie rara, ser abandonado por se parecer demais com “Rio (2011). A direção, assim como a edição e roteiro são utilizadas de forma muito criativas, estabelecendo analogias e referências visuais que conseguem comunicar mesmo sem explicitar cada intenção de suas cenas. E através delas conseguimos relembrar sensações de muitos momentos de transição de nossas infâncias, quando deixamos de ser bebês, tornando-nos crianças, pré-adolescentes, passando pela puberdade, até a vida adulta.

Encontramos representações metafórica de lembranças pueris, como as dos amigos reais ou imaginários, que nos acompanharam e contribuíram para impulsionar nossa felicidade, mesmo que tenham caído no esquecimento das nossas lembranças infantis. De quando tivemos que prender a lidar com as alterações que vão da alegria até a tristeza, sem deixar que o medo, o nojo/vaidade e a raiva dominem nossas ações. Da mesma forma que aprendemos a não aceitar que ideias fixas e imutáveis nublem nosso discernimento, ao ponto em que não tenhamos mais percepção dos nossos próprios sentimentos. Por fim entendemos que nosso sistema nervoso é feito de emoções que se auto completam ao invés de se oporem, pois quem nunca passou por momentos em que teve pensamentos sentimentais conflitantes – quase como se ouvisse “vozes na cabeça” – balanceando as consequências de cada escolha e entendendo que o correto a seguir seria um meio termo entre os dois.

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E é através do design de produção de cenários e personagens, que o filme alcança uma excelência artística, utilizando formas multicoloridas que personificam até ideias abstratas, numa metalinguagem visual. Sem medo de usar cores e símbolos, que comunicam sem precisar explicar demais, sem subestimar o seu próprio poder de expressão, de interpretação das crianças e de envolvimento emocional dos adultos. Criando um tom “agridoce”, que transita muito bem entre a felicidade, a melancolia, com piadas que apesar de simples divertem sem parecerem “bobas”.

Mais do que isso, o enredo fala sobre depressão e de o quanto é difícil quando descobrimos que os sentimentos felizes não são os únicos que vão controlar nossas memórias mais importantes. Reconhecendo que em muitos momentos da vida, para nos tornarmos mais maduros, vamos precisar superar a nossa tristeza, lidar com os nossos medos, ignorar nossos nojos e aplacar nossa raiva, para no fim sermos contagiados pela alegria. E mesmo que nem todo jovem e criança entenda agora as ideias e piadas apresentadas, ao assistir à animação, de certa forma o filme já as prepara para lidar com a tempestade de emoções que enfrentaram num futuro próximo.

Destaque também, para o curta-metragem Lava, que é exibido antes do início do longa-metragem. Ele nos apresenta a um vulcão cantor, que acaba se apaixonando por uma vulcão-feminina, que está submersa. A música cantada por ele em ritmo havaiano é marcante, mas não funciona tão bem na versão dublada, pois para que a canção consiga transmitir toda a emoção através da animação, ela precisa estar sincronizada com as expressões da grande boca do personagem, o que só encaixa perfeitamente na língua original. Ainda que não seja tão efetivo se assistido dublado é um belíssimo curta animado.

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