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Sem estreia prevista para o Brasil, é mais provável que o documentário ‘Hitchcock/Truffaut (2015)’ seja lançado direto em DVD ou no Netflix, entretanto, infelizmente por enquanto só se pode ter acesso a ele por meios “não oficiais” ou importando-o. Quem conseguir assisti-lo mesmo assim, vai encontrar 1h 19min muito compensadoras, sobre dois ícones do cinema mundial e apenas um defeito, o de ser curto demais. Mas, não se preocupe, pois para quem ainda não leu, isso pode ser remediado com a leitura do livro homônimo publicado em 1966, por Truffaut.

A direção é de Kent Jones, que já havia participado de um trabalho similar codirigindo com Martin Scorcese o documentário ‘Uma carta para Elia (A letter to Elia)’ de 2010, filme que contava um pouco da vida e da carreira do famoso e controverso diretor Elia Kazan. Agora em ‘Hitchcock/Truffaut’ ele conta a lendária conversação que os diretores travaram nos anos 60. A ideia das entrevistas gravadas em áudio concedidas por Alfred Hitchcock para François Truffaut, nasceram em uma época em que o diretor francês já se tornara um cineasta consagrado pela crítica mundial, com apenas três filmes (‘Os Incompreendidos’ de 1959, ‘Atirem no Pianista’ de 1960 e ‘Jules e Jim: Uma Mulher para Dois’ de 1962). De outro lado, apesar de Hitchcock ser um diretor famoso e bem-sucedido, com mais de 30 anos de carreira e mais de 40 longas-metragens, os críticos de cinema americanos ainda questionavam sua qualidade como “artista”, considerando seus longas um “entretenimento banal”. Truffaut ficava extremamente surpreso, quando era questionado em suas viagens aos Estados Unidos, sempre que perguntavam por que os críticos franceses do Cahiers du Cinéma elogiavam tanto Hitchcock, sendo que na América ele não tinha o mesmo prestígio.

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Crédito: Divulgação

Fã confesso de Hitchcock, Truffaut não compreendia como um cineasta que já tinha ‘Um corpo que cai’ de 1958, ‘Intriga Internacional’ de 1959 e ‘Psicose’ de 1960 na filmografia, ainda não tinha o devido reconhecimento. Foi quando enviou uma carta elogiando e ressaltando toda a sua admiração para com o “Mestre dos filmes de suspense”, para o próprio diretor Inglês, residente nos EUA. Alfred respondeu em tom emocionado, aceitando fazer a entrevista e convidando François para passar alguns dias com ele, para que a mesma pudesse ser realizada.

Como as perguntas e respostas não foram filmadas, o que vemos e ouvimos documentado em tela, são as imagens dos dois diretores, acompanhadas das conversas reproduzidas a partir das gravações em áudio. Temos, também, imagens dos filmes de Hitchcock, exemplificando o que eles conversaram, o que os conhecedores do livro agora têm a chance de visualizar através de algumas imagens em movimento. Obviamente, que no documentário apenas alguns trabalhos dos mais conhecidos dele estão presentes, diferente do livro que traz análises de todos os seus longas-metragens, com sinopses e anotações de rodapé feitas pelo próprio Truffaut.

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Crédito: Divulgação

Uma das passagens interessantes do documentário é a em que Hitchcock fala de seus primeiros trabalhos mudos (produzidos na Inglaterra) tais como ‘O inquilino’ (Lodger) de 1927. Revelando a Truffaut ser esse seu primeiro longa em que exercitou um maneirismo próprio, utilizando jogos de câmera e tensões cênicas para manipular a expectativa das plateias, algo que ele aprimoraria magistralmente ao longo dos anos. Hitchcock considerava o cinema mudo como uma forma de “arte pura”, pois era o poder da imagem que era explorado, algo que segundo ele se perdeu com o cinema falado. Talvez isso explique o porquê de sua obsessão com a técnica e o formato de seus longas, onde ele não deixava espaço para improviso e sugestões de seus atores, aos quais via como “gado”, como ele mesmo definia. Fato é que após refinar seu estilo ele criou uma marca que é reconhecida por cinéfilos de todas as gerações.

Para quem já leu o livro, o longa não traz nenhuma novidade surpreendente, mas certamente é uma excelente oportunidade de se ver no formato audiovisual uma parte daquilo que se imagina ao ler na versão impressa. Para quem apenas assistiu o documentário, certamente é um convite para que se conheça uma obra que incentivou a carreira de muitos cineastas contemporâneos. Prova disso, é que o longa-metragem traz depoimentos de diretores que leram e foram influenciados pelo livro, tais como Martin Scorsese, David Fincher, Wes Anderson, James Gray, Richard Linklater, Peter Bogdanovich, Olivier Assayas e Arnaud Desplechin. Aliás esse formato de passar as cenas de filmes e colocar diretores de várias gerações comentando e analisando-as, faz lembrar outras produções como a série ‘A história do cinema: Uma odisseia (The story of film: An Odyssey) de 2011’. Nela o diretor e crítico de cinema Mark Cousins, conta em 15 capítulos toda a história da sétima arte, desde sua gênese nos anos 1890 até os anos 2000. Esse material, que é riquíssimo em informações e conhecimento sobre o desenvolvimento do cinema, também, foi baseado em um livro que o próprio Cousins publicou em 2004, da mesma maneira que ‘Hitchcock/Truffaut’.

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Crédito: Divulgação

Nos pouco menos de 80 minutos do longa, vemos como o diretor francês foi inspirado por vários cineastas, entre os quais estava a presença muito forte de Alfred Hitchcock. A obra de “Ritchie” o ajudou na sua formação como artista, de maneira que ele queria retribuir ao mestre do suspense mostrando-o ao mundo como ele realmente era: um gênio do cinema. Assim pretendia libertá-lo do estereotipo de diretor de filmes “leves”, fama que tinha até então, nos EUA. Truffaut e os demais críticos da famosa revista francesa Cahiers du Cinéma elegeram um tipo de diretor “mais autoral”, considerado por eles como o ideal, chamados de “verdadeiros artistas”, ou “Os Auteurs”. Isto mais tarde influenciaria o movimento cinematográfico conhecido como Nouvelle Vague, do qual Truffaut se tornou um dos grandes expoentes.

Fica nítido como esses dois grandes diretores europeus reconheceram um no outro a genialidade artística, e que seus filmes, assim como o livro originário dessa entrevista/conversa, influenciaram vários grandes cineastas que surgiram nas gerações seguintes e que com certeza continuarão inspirando por muito tempo. Ao terminar o documentário fica à vontade quase impossível de conter, de correr a uma livraria e comprar o livro para conhecer um pouco mais dessa história fascinante.

Autora do texto:

PRISCILA CARDOSO FRAGA

Colaboração com o texto:

FELIPI VIDAL FRAGA




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