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‘Seja peculiar’.

Essa semana marca o retorno do cultuado diretor Tim Burton à direção desde o drama ‘Grandes Olhos’, em 2014. Com ‘O Lar das Crianças Peculiares’, adaptação do livro de Ranson Riggs – adaptado pela experiente Jane Goldman (de ‘Kingsman’ e ‘Kick-Ass’) – Tim se reaproxima do seu lado mais obscuro e fantástico para contar a história de Jake (Asa Butterfield), um jovem comum que graças as histórias do seu avô (Terence Stamp) foi criado acreditando em um mundo de fantasia, até descobrir uma passagem secreta que o leva a conhecer a Srta. Alma Peregrine (Eva Green), uma bela e espirituosa mulher que cuida de algumas crianças com características ‘peculiares’ em uma espécie de orfanato. Mas será que após alguns filmes pouco elogiados nos últimos anos, o grande Tim Burton conseguirá voltar aos holofotes e aos elogios da crítica por este trabalho?

A título de curiosidade, pessoas que leram os livros e assistiram ao filme, afirmam que há algumas diferenças relevantes no rumo da história entre a versão original e a do cinema. Talvez isso já demonstre uma preocupação por parte da produção a um dos maiores desafios (que eu imagino) dos realizadores atualmente: como fazer algo novo baseado em algo familiar para os espectadores? É um grande desafio, pois entender o por que do público gostar de ver as mesmas convenções se repetirem nos filmes tem sido motivo de estudo entre acadêmicos do cinema há muito tempo. Especialmente para um diretor que tem a estética dos seus filmes praticamente como uma marca registrada, como fazer algo novo e interessante, sem correr o risco de perder sua identidade perante os fãs? Aqui em ‘Crianças Peculiares’, Tim exibe uma história de fantasia que remete bastante a jovens clássicos do gênero como ‘A História Sem Fim’ (1984) ou ‘Labirinto’ (1986), combinando ingenuidade com alguns elementos mais impactantes, que nos fazem lembrar quando nossos pais contavam histórias para nos assustar.

Confiando que vai agradar aos fãs do diretor, o filme não arrisca muito e segue uma fórmula bastante conhecida dentro do cinema e na própria arte de contar histórias. Temos aqui uma jornada muito semelhante a do tradicional ‘escolhido’, diferenciada apenas pelo início bem sinistro e pela trilha sonora mais dramática e pesada no primeiro ato. Diferentemente de filmes como ‘Warcraft’, por exemplo, que explicam pouco e já partem para os momentos de ação, aqui em ‘Crianças Peculiares’ o filme utiliza bastante tempo para conhecermos o protagonista e os personagens principais que o acercam, como seu pai Franklin (Chris O’Dowd), que frequentemente desencoraja Jake a crer em fantasia e seu avô Abraham, um ex-soldado que serviu nos horrores da Segunda Guerra Mundial. Infelizmente, os arcos dos personagens e o próprio rumo da narrativa são bastante previsíveis, então surge a ameaça de Barron (Samuel L. Jackson), que está atrás das crianças da Srta. Peregrine. O filme também desperdiça uma das grandes vantagens de se fazer ao contar uma história de fantasia, que é tocar em algum tema relevante que esteja acontecendo no nosso mundo, tendo toda a liberdade de se usar o poder da imaginação para isso.

Contam a favor de ‘O Lar das Crianças Peculiares’ algo que já imaginávamos: a fotografia, a direção de arte e os figurinos do filme, mais um fruto da parceria de Tim Burton com o diretor de fotografia Bruno Delbonnel (de ‘Grandes Olhos’) e da figurinista Coleen Atwood (de ‘Sweeney Todd’), além do diretor de arte Gavin Boucquet (de ‘Warcraft’). A equipe de direção consegue de forma muito eficiente provocar e induzir sensações no espectador apenas pela atmosfera criada para os diferentes momentos do filme, como a paleta de cores apagada no mundo real de Jake e bastante saturada no mundo fantástico, tornando completamente compreensível o fato de alguém querer buscar formas de passar mais tempo ou permanecer nessa nova realidade, muito mais atrativa. Mas além da previsibilidade e da exposição desnecessária de diálogos no filme, o roteiro conta com algumas outras ressalvas, como relações entre os personagens parecendo ‘forçadas’ ou apressadas demais (arcos heróicos, romances, rivalidades, motivações) e a própria contribuição de Samuel L. Jackson, que mais uma vez serve ao filme como alívio cômico (apesar de neste caso enfraquecer o personagem, pois se trata de um vilão), ao mesmo tempo engraçada e repetitiva, pois o ator sequer se esforça para fingir que está interpretando um personagem e não a si mesmo ultimamente.

Considerando tudo, ‘O Lar das Crianças Peculiares’ é uma fantasia que deve agradar muito aos fãs do diretor, pois ele entrega a mesma prestação de serviço que lhe trouxe a fama até aqui, ou seja, uma estética realmente ‘peculiar’ e caprichada, entretanto, apoiada em (sua maioria) atuações repetitivas (como Samuel) e questionáveis (falta carisma e ‘vontade’ de atuar no protagonista Asa Butterfield). Eva Green mais uma vez é o grande destaque, magnetizando os olhares para sua atuação enquanto está em cena, Judi Dench é um desperdício e as crianças também não têm nada que chame a atenção – embora prejudicadas por personagens com ‘poderes’ bem desinteressantes, diga-se de passagem. Talvez o grande problema do filme foi ter sido lançado tanto tempo depois de ‘Matrix’, ‘Harry Potter’ e ‘Senhor dos Anéis’, exemplos muito mais viscerais e relevantes de grandes aventuras no cinema. De fato proporciona um entretenimento trivial e tem alguns momentos bastante divertidos – como a cena do parque de diversões – mas infelizmente deve ser mais um filme esquecível dentro de alguns meses.




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